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Suelen Lopes: confira o bate-papo exclusivo com a caminhoneira embaixadora do “Caminhos para Elas”

Descubra a trajetória inspiradora de Suelen Lopes, mergulhe nos detalhes de seu cotidiano nas estradas priorizando segurança e autocuidado, e conheça sua visão sobre o futuro da indústria de transportes

Nas estradas do Brasil, Suelen Lopes tem trilhado seu próprio caminho com coragem e determinação. Crescida em uma família de caminhoneiros, a paixão pela estrada foi algo natural para ela, que alimentava o sonho de trabalhar na boleia desde a infância.

Embora seja formada em Administração de empresas, ela dispensou a rotina de escritório e, desde 2018, supera os desafios únicos enfrentados como uma mulher caminhoneira, tornando-se uma fonte de inspiração para seus mais de 300 mil seguidores nas redes sociais. 

Na cabine do caminhão, ela encontrou uma verdadeira sala de aula da vida, compartilhando com o mundo suas aventuras, aprendizados e conquistas provando que é possível sim, para uma mulher, conquistar seu espaço na estrada. 

Não é à toa que Suelen Lopes é a embaixadora do Programa Caminhos para Elas, curso profissionalizante híbrido oferecido pela IVECO, em parceria com o SEST SENAT, para mulheres que possuem carteira de habilitação, mas não têm experiência no mercado de transportes. 

Para comemorar o mês internacional da mulher, trouxemos um um bate-papo exclusivo que tivemos com ela para você conhecer um pouco mais sobre esta jornada cheia de força, crescimento e superação. Acompanhe a seguir!  


HISTÓRIA & DESAFIOS

O que te despertou o interesse em virar caminhoneira?

Eu sou filha de caminhoneiro, sobrinha de caminhoneiro, prima, irmã. Cresci em uma família de caminhoneiros, então a estrada sempre foi parte da minha vida. Admirava muito meu pai, que demonstrava essa força na estrada e sempre teve a profissão como principal fonte de sustento da nossa casa. Isso me despertou o desejo por seguir essa carreira, mesmo recebendo incentivos do meu pai para estudar. Decidi que estudaria, sim, mas que isso não me impediria de ser caminhoneira. 

Apesar de vir de uma cidade pequena, com poucas oportunidades, sempre carreguei uma vontade de fazer algo que mudasse o mundo e, desde criança, sonhava com a estrada.  Com o tempo, a vontade só se intensificou. Então fui crescendo, cursei Administração, trabalhei em concessionárias, e planejei cada passo até conseguir as carteiras D e E, sempre pedindo o apoio de Deus. Essa paixão pela estrada e pelo que ela representa sempre foi uma certeza dentro de mim.

“Tem uns lapsos muito legais na minha cabeça, que é quando eu sonhava com a viagem, eu sonhava estar na estrada, eu sonhava mesmo, eu deitava para dormir e ficava com aquela sensação de ligar um som e dirigir, chegando em uma cidade, chegando em uma rodovia. E é surreal porque hoje eu vivo isso.”

E antes disso você escolheu trabalhar em concessionária por conta desse sonho de ser caminhoneira? Foi de propósito, para já estar perto do meio?

Foi de propósito, sim. Sempre gostei de estar perto de caminhão. Quando me mudei para Pouso Alegre-MG, consegui trabalho numa concessionária de carro, mas eu só falava de caminhões. Um dia, lá em 2013, um gerente da IVECO esteve lá para fazer revisão no seu carro, e meu colega sugeriu que ele me levasse para trabalhar com eles, dizendo que eu estava no lugar errado. Isso me levou a uma oportunidade na IVECO.

Então fiquei trabalhando na Deva, lidando mais com financiamento, no escritório, toda arrumada, de salto. Mas quando chegava um caminhão novo, eu corria até o pátio para ver. Sempre que podia, ia para a oficina.

Quais foram as maiores inspirações que você teve para seguir carreira em uma profissão predominantemente masculina?

Sem dúvida minha mãe foi meu exemplo nesse sentido! Ela tirou carteira D enquanto estava grávida de oito meses do meu irmão. Isso foi incrível pra mim. Pensava: “Poxa, se minha mãe conseguiu tirar carteira D naquela época, com a barriga enorme, já tendo a mim e ao meu irmão mais novo, então também posso!” Isso me deu uma força danada. Ela sempre sonhou em ser caminhoneira, mas como tinha filhos pequenos, não dava pra viajar muito. Então, sempre que possível, ela viajava com meu pai.

Como eram essas viagens em família? Conta um pouco pra gente.

Minha mãe sempre quis que a gente crescesse perto do meu pai. Como ele estava sempre na estrada, ela fez de tudo pra estar junto, inclusive tirou carteira motivada por isso também. Com isso, crescemos juntinhos do meu pai, mesmo ele sendo caminhoneiro. A gente viajava a família toda unida, dormia na estrada, inclusive durante a semana, antes de começar a escola. Quando completei seis anos, comecei a ir para a escola, e reduzimos um pouco, mas até lá, minha irmã mais velha, que já frequentava a escola, ficava com minha avó quando a gente estava na estrada.

Como mulher nesse setor, cite alguns obstáculos que você já enfrentou até aqui.

Ah, ser mulher nesse ramo significa que a gente tem que se impor um pouco, sabe? Mas se eu fosse trabalhar num escritório, também teria que chegar lá mostrando a minha força. O maior problema é a questão da segurança e da estrutura, porque a mulher não é tratada igual ao homem nesse meio.

A gente é mais vulnerável, e já até pensei em fazer curso de defesa pessoal para me sentir mais segura. Com o tempo, trabalhando na estrada, fui ficando mais esperta, e aprendi a diferenciar quem quer ajudar de quem tem más intenções.No início, enfrentei muitos desafios, mas a experiência que fui ganhando e pessoas boas que apareceram no caminho me ajudaram. Tive um chefe que me ensinou o que observar e como me posicionar. Com o tempo, aprendi a ler as situações e a decidir quando devo ser firme ou mais cautelosa. A maior lição foi desenvolver o autocontrole, mesmo quando nosso instinto é reagir, sabe? Mas aprendi que tem momentos em que a gente precisa “segurar a onda” para manter tudo sob controle.

Você pode compartilhar com a gente uma experiência específica de algum desafio que você superou?

Sim, no Mato Grosso, meu caminhão bloqueou porque perdeu o sinal do rastreador. Fiquei com receio de pedir ajuda, por medo de não acreditarem que eu era a motorista ou terem más intenções quando me vissem sozinha ali. Fiquei pedindo ajuda a Deus e ele tocou no coração de um caminhoneiro da Transleone, chamado Leonardo, que parou e me ajudou. Mesmo sob risco de ter problemas com sua empresa, que monitorava o caminhão por câmeras, ele me levou até um posto seguro para resolvermos o problema. A empresa dele viu as câmeras e todos começaram a ligar questionando porque ele estava levando uma mulher. Me lembro que, para provar que de fato eu era caminhoneira, gravei um vídeo para o YouTube, explicando minha situação enquanto chorava. Isso convenceu a gestora da empresa dele, que, após entender a gravidade da minha situação, até me parabenizou.

Isso foi no começo da sua carreira como caminhoneira? E como você lidaria com isso hoje?

Sim, foi quando estava começando na estrada. Ainda teria os mesmos receios hoje, mas agora, quando sei que vou passar por um lugar que não tem sinal, eu e meu irmão usamos o iPhone para rastrearmos um ao outro. Uma noite, por exemplo, percebi pelo rastreamento que ele estava parado em um local isolado, e isso me preocupou. Então liguei para o posto mais próximo de onde ele estava, e descobri que um acidente tinha bloqueado a estrada, daí fiquei mais tranquila. 

Nós nos monitoramos constantemente, assim como minha prima em São Paulo, para garantir nossa segurança. Se notarmos algo fora do comum, como ficar parado demais em algum lugar, pensamos logo em pedir ajuda, até mesmo acionando a Polícia Rodoviária Federal. É assim que cuidamos um do outro enquanto estamos na estrada.

Qual foi o momento mais gratificante da sua carreira até agora?

Ah, são vários momentos legais, mas um muito especial foi quando fui buscar meu Iveco Show em Rio Preto. A gente não tinha divulgado, então eu não esperava ninguém lá. Eis que um pai apareceu com seu filho que tinha síndrome de Down. Achei que eles estavam só passando e pararam para tirar uma foto, mas o pai me disse: “Eu trouxe meu filho aqui porque ele adora seus vídeos.” Isso me deixou emocionada, sabe? Foi uma surpresa linda. Até gravei um vídeo nesse dia, estava tão feliz e grata. É incrível como as crianças se conectam com a gente, meus sobrinhos adoram quando levo eles para passear no caminhão. Mas encontrar uma criança especial que gosta do meu trabalho foi além do que eu podia imaginar.

ROTINA & SER MULHER

Como é um dia típico para você na estrada, desde a hora que você acorda até a hora que você vai dormir?

Num dia comum na estrada, acordo geralmente às 6h30 da manhã. Diferente de alguns, não gosto de acordar de madrugada, nem de trabalhar à noite. Após acordar, muitas vezes acho cedo demais para tomar café, então me arrumo, preparo a cabine e começo a viagem. Por volta das 8h, paro para tomar meu café. Se não levo nada para comer na cabine, paro em algum restaurante, se levo, como enquanto dirijo.

Continuo dirigindo e, na hora do almoço, faço uma pausa. Se for um dia de viagem longa, prefiro um lanche a uma refeição pesada, para não pesar durante a viagem. Dirigir exige muito da nossa atenção, então essas pausas são essenciais.

À tarde, sigo o mesmo ritmo, sempre com algo para beliscar por perto, até cerca das 18h, 18h30. Prefiro parar para dormir enquanto ainda está claro, especialmente porque não me agrada andar pelo pátio do posto à noite. Busco uma vaga boa para estacionar, geralmente vou direto para perto da bomba, onde é mais seguro e iluminado. Então pergunto aos funcionários do posto sobre disponibilidade de chuveiro e um bom lugar para parar.

Depois de estacionar, organizo minhas coisas para o banho e janto. Não fico “dando bobeira” pelo posto depois disso. Volto para a cabine, onde passo o resto da noite, talvez assistindo TV ou lendo, antes de finalmente dormir.

Que livros você está lendo agora?

Atualmente, estou lendo “Seja foda” e “Quando coisas ruins acontecem com pessoas boas”, e estou curtindo muito. Antes eu não lia muito, mas percebi que como motorista, a gente tem muito tempo de espera e acaba sem fazer nada. Enquanto muitos vão comer, beber ou dormir, eu gravo, faço meus trabalhos e lido com outras coisas, mas sentia que faltava algo. Até que um dia fui à uma Livraria Cultura, em São Paulo, e me apaixonei pelo lugar! Então comprei esses livros e comecei a ler. Agora, uso meu tempo livre para ler, inclusive um devocional, “Café com Deus Pai”, que é ótimo, e estou amando acompanhar um podcast que se chama “Para dar nome às coisas”. Nem sempre cultivei esses hábitos de autocuidado na estrada, mas aos poucos percebi que precisava cuidar mais da minha energia, mente e espírito, sabe? Nossa rotina é pesada e estressante, então, dentro da cabine, procuro ter momentos para me centrar, não apenas ouvindo louvores e lendo, mas tendo uma rotina de cuidados pessoais. Faço unha, sobrancelha e tenho tudo que preciso no caminhão, igual em casa: a mesma cobertinha, o mesmo shampoo, a minha escova secadora. São detalhes, mas me ajudam a manter o equilíbrio entre ser caminhoneira, que é mais bruta, e mulher, para não perder minha essência, nem desequilibrar meu yin e yang.

Cultivar uma rotina com bons hábitos, mesmo na estrada, contribui para tornar o dia a dia menos estressante, segundo Suelen.

Fale mais sobre esses rituais de cuidados na estrada. Como você lida com sua rotina para que as viagens sejam mais agradáveis? 

Bom, no começo, eu achava que esses cuidados durante as viagens eram besteira, mas percebi que não é, é sobre saúde. Por exemplo, hoje me preocupo onde tomo banho pra não pegar friagem saindo pro caminhão. Também comecei a cuidar mais do meu cabelo, pois nem todos os postos têm água de boa qualidade. Ainda estou tentando me acostumar a usar protetor solar regularmente, porque muitos me irritam os olhos. À noite, passo um produto no rosto para me sentir melhor no dia seguinte, evitando olheiras devido ao cansaço.

Além disso, sempre falo da importância da gente estar bem apresentável, afinal representamos a empresa para a qual estamos entregando carga. Então sempre me arrumo antes de ir ao cliente, cuidando do rosto, cabelo, unhas e escolhendo uma roupa adequada. Faz bem para como me sinto e faz bem para a imagem que a gente transmite aos outros, especialmente agora, que as pessoas têm a expectativa de ver uma Suelen arrumada e alto astral, por causa do Instagram. Com relação à atividade física, antes eu não tinha uma rotina de exercícios.
Mas, após os 30 anos, despertei para o fato de que, se eu não cuidar disso, ninguém vai. Não adianta eu ter sucesso na internet, dinheiro na conta, e não estar bem comigo mesma.  Então fechei um ano de academia para fazer na minha cidade, Pouso Alegre-MG, quando estou em casa. Já na estrada, tenho agora um kit de ginástica no caminhão, assim, quando fico longe por um tempo maior, continuo cuidando da minha saúde onde quer que eu esteja.

Focada em cuidar da sua saúde em qualquer lugar, Suelen agora tem um kit de ginástica com pesinhos e elásticos dentro da cabine.

E você sentiu uma diferença na sua disposição e rendimento no trabalho depois que começou a se exercitar?

Totalmente! Quando mudei do caminhão menor para a carreta, minha mãe brincou que eu precisaria me exercitar para conseguir subir nele, e ela tinha razão. Subir no caminhão e lidar com a carga exige muito de nós fisicamente. Se você não está em forma, o trabalho fica ainda mais duro. Agora, me sinto mais disposta, as roupas ficam melhores em mim, e não sinto mais aquela sensação pesada porque priorizo sempre refeições mais leves que me fazem bem.

“Como vou ser boa e inspirar outras pessoas e mulheres no setor de transporte a terem uma vida boa, feliz e próspera, se não cuido da minha saúde?”

Como você lida quando as coisas dão errado no dia a dia na estrada? 

Quando as coisas dão errado na estrada, tento não focar nessas situações negativas. Se algo ruim acontece, como ser maltratada por uma empresa ou por alguém no trecho, por exemplo, eu vejo como uma experiência para saber onde não quero estar e o que não é para mim. Essas experiências ruins me ensinam sobre o mundo lá fora, e sou grata por elas, pois às vezes me mostram também o que não quero ser ou o que preciso melhorar. 

“Reclamar não resolve, é melhor chorar, desabafar com Deus ou com alguém que possa ajudar, mas nunca desistir. Precisamos dos momentos ruins tanto quanto dos bons para crescer e evoluir.”
“É possível ser caminhoneira e manter a nossa essência feminina, e é isso que eu demonstro para as mulheres que se inspiram em mim.”, afirma Suelen.

E nos dias de folga, quais são seus hobbies? 

Nos dias de folga, curto muito ir para a roça. Tenho um sonho de ser fazendeira, acredito que um dia vou morar numa fazenda. Minha mãe e meu pai vivem em Conceição dos Ouros, no sítio. Adoro passar um tempo lá, especialmente com meu pai, ajudando ele a puxar mandioca e outras tarefas. Também amo viajar. Já voei de balão, visitei a Amazônia, fui para Gramado. Gosto de explorar o Brasil, seja de caminhão ou de avião. A igreja também é outro refúgio para mim, pois é onde me conecto com minha fé, e não abro mão de passar tempo com meus sobrinhos e minha família.

Sou mais caseira, não sou muito de ir a shows ou baladas. E café, nossa, amo café! Quase todo dia me convido para tomar café na casa de alguém. Tenho uma vizinha que é minha melhor amiga, e ela sempre me espera com o café pronto.

Como você equilibra a vida pessoal, familiar e as demandas da estrada?

Consigo equilibrar bem a vida pessoal, familiar e as demandas da estrada. Mesmo quando não estou presente fisicamente, mantenho a conexão com minha família o tempo todo por telefone. Meu pai, meu irmão e eu ligamos um para o outro diariamente. Quando não estamos falando ao telefone, estamos conectados pelo rastreador.

Aproveito minhas viagens para visitar familiares que moram em diferentes lugares. Seja indo para a casa da minha prima em São Paulo, do meu tio no interior de São Paulo, ou da minha tia no Paraná, sempre tento pegar fretes que facilitam essas visitas, e até durmo na casa deles. Até brinco no Instagram que a melhor carga do final de semana é sempre para onde tenho parentes.

Se não fosse caminhoneira hoje, que profissão você imagina que estaria seguindo?

Se não fosse caminhoneira, provavelmente eu estaria na área de Comunicação. Sempre fui muito comunicativa, gostava de estar à frente, cantar na igreja, falar na escola. Me vejo como apresentadora, trabalhando em televisão ou algo do tipo. A comunicação sempre me atraiu.

SETOR DE TRANSPORTES, FUTURO E PRESENÇA FEMININA

Desde que você começou a sua carreira como caminhoneira, você notou alguma mudança na forma como as mulheres caminhoneiras são percebidas ou tratadas de lá para cá?

Desde que comecei a dirigir caminhão, percebi algumas melhorias sobre como as mulheres são vistas e tratadas, mas ainda falta muito. Ainda é uma novidade para muitas empresas terem mulheres caminhoneiras. Muitas vezes, não têm nem um lugar adequado pra gente, tipo banheiro ou área de descanso específica para mulheres. Tem melhorado um pouco, sim. Algumas transportadoras, locais de carga e postos de combustível estão mais atentos, mas a mudança está sendo bem lenta.

Acho que nós, mulheres, também temos que nos posicionar melhor. Não adianta nada reclamar se a gente não se dá ao respeito, sabe? Então, aparecer de top ou roupa muito curta não ajuda nossa imagem. E aí, como as empresas vão querer investir numa estrutura pra gente?

Mas quando a gente chega diferente, com uma postura mais profissional, as empresas percebem. Outro dia, fui num cliente em São Paulo e cheguei toda educada, me vestindo de forma apropriada, e fui super bem recebida. Eles até me convidaram pra conhecer o escritório, perguntaram se eu estava confortável, me ofereceram um banheiro melhor. Então, vejo que, dependendo de como a gente se posiciona, as empresas também se esforçam para tratar a gente como merecemos.

E os caminhoneiros, os colegas de trabalho, os homens, você percebeu também alguma mudança na forma como eles tratam as caminhoneiras hoje? 

Até hoje, muitos homens ainda acham estranho ver mulheres na estrada e dizem que não é lugar para a gente. Escuto isso direto. Ontem mesmo, alguém comentou que é difícil para mulheres lidarem com a rotina da estrada. Eu nem respondo, só penso que a escolha foi minha. Inclusive, teve um comentário, num vídeo da campanha que postei, de um homem dizendo que a gente deveria procurar algo mais “tranquilo” e “adequado” para mulheres. Isso mostra que, entre os colegas caminhoneiros, muitos ainda não veem a gente como parte igual na profissão.

Qual o principal impacto que você acredita causar nas mulheres que te acompanham?

Hoje consigo ver que elas olham para mim motivadas, no começo eu não tinha noção disso. Então sempre tento passar para elas o que eu vivo, que vão ter dias ruins e dias muito bons, mas que em todos os dias precisamos estar no propósito. Eu posso estar triste em um dia, mas não posso sair do meu propósito. 

Acredito que eu as inspiro, acima de tudo, a ser mulher! Ser caminhoneira sem deixar de ser mulher. Algumas pessoas falam “ah, você é igual ao homem”, e eu digo que não. Sempre deixei claro na transportadora da qual eu era funcionária que  “eu sou uma caminhoneira mulher que trabalha como uma mulher”

Assista ao vídeo do lançamento do Programa Caminhos para Elas

Que atividades você não faz sendo uma caminhoneira mulher? 

Eu não faço manutenção debaixo do caminhão, por exemplo, e como no meu caso o descarregamento do baú é na doca, isso fica por conta do cliente. 

Inclusive não recomendo que motoristas – tanto homens quanto mulheres – façam o descarregamento porque é exaustivo ter que dirigir por horas e ainda descarregar, o que aumenta o risco de acidentes na estrada. Entendo que muitos fazem por necessidade financeira, como meu pai e minha mãe já fizeram, mas acredito que dinheiro não é tudo. 

A sede de ganhar mais pode levar à escravidão do trabalho. Valorizo viver bem e ter conforto, mas não deixo isso me controlar. É comum vermos alguns caminhoneiros sempre correndo para descarregar e carregar novamente, às vezes até compram coisas para vender pelo caminho, mas tudo isso pode sobrecarregar demais e trazer riscos à saúde. Na transportadora onde trabalho, tivemos dois casos recentes de motoristas que infelizmente faleceram por infarto na cabine, mostrando o quão sério é cuidar da nossa saúde, fazer exames frequentes e prezar pela segurança.  O que adianta a gente acumular dinheiro se não vai ter saúde para desfrutar dele? 

O que você diria para as mulheres interessadas em seguir a carreira na estrada, mas que ainda não deram o primeiro passo?

“Para mulheres que querem seguir essa ou qualquer outra carreira, meu conselho é: acreditem em si mesmas, acreditem que são capazes e se respeitem acima de tudo. Não aceitem propostas indecentes só por estarem começando. Isso não define nosso valor como profissionais. É importante se preparar corretamente, buscar empresas sérias e gestores que respeitem sua feminilidade e integridade. “

Não negociem sua paz, liberdade ou caráter. Pode ser mais difícil, mas é possível alcançar o sucesso com dignidade. Sejam honestas, falem a verdade e não tenham medo de dizer “não” quando necessário. Mantenham sua feminilidade sempre e lembrem-se de adaptar o ambiente às suas necessidades, tendo itens pessoais de higiene na cabine para enfrentar a falta de estrutura adequada em alguns lugares, por exemplo.

Acima de tudo, tenham fé em Deus, Ele capacita e abre caminhos. Acreditem em si mesmas e tenham coragem, pois as portas se abrirão.

Como você enxerga a dificuldade que as mulheres encontram para ingressar no mercado de trabalho hoje por falta de experiência? 

Este é um desafio tanto para mulheres quanto para homens que querem entrar no mercado de transportes. Acredito que uma mudança precisa ser feita por parte das empresas, que devem criar mais oportunidades de experiência. Por exemplo, quando comecei na Transdaniel, não havia ninguém para me treinar especificamente, mas me deram uma chance com um caminhão menor, permitindo que eu desenvolvesse minhas habilidades gradualmente.

Não são todas as empresas que estão dispostas a investir em um plano de carreira para seus funcionários. Mas imagina que maravilha seria se houvesse um plano bem estruturado, começando no pátio como manobrista, passando por viagens curtas a longas, e evoluindo de caminhões pequenos a grandes? Isso não só resolveria o problema da falta de experiência inicial, mas também permitiria que cada um construísse sua carreira passo a passo, sem a pressão de ter que provar sua capacidade logo de cara.

Como você vê o papel da IVECO na promoção da diversidade e inclusão agora no rotor de transportes, principalmente agora com o Caminhos para elas?

Muitas vezes as marcas focam apenas nas transportadoras e nos clientes grandes. Quando uma marca se atenta a uma necessidade específica do público, como agora com o “Caminhos para Elas“, isso faz a gente se sentir vista, sabe? Tem muita mulher comentando surpresa e empolgada com a iniciativa, achando surreal e até já fazendo inscrição. Isso é muito positivo, mostra que estamos construindo algo que vai além da nossa época, algo duradouro.

Lá atrás, alguém acreditou e construiu a base para a IVECO ser o que é hoje, e agora a gente está contribuindo para algo grande que pode mudar gerações. Quando comecei na estrada, aos 24 anos, vi que minha geração pensava que ser caminhoneiro era só sofrimento e falta de oportunidade. Mas não é assim, tem todo um propósito de vida nisso. Se você sente isso no coração, por que não seguir?

“E a IVECO vendo isso, cria esperança para futuras gerações. Com tecnologia nos caminhões, leis de descanso que permitem um trabalho digno, e agora, investindo na formação de mulheres caminhoneiras, vai chegar um ponto que as pessoas vão se perguntar: ‘Por que não?’. Estamos superando medos e crenças limitantes para encarar a estrada com mais confiança.”

Olhando para o futuro, que mudanças você espera ver na indústria de transportes em termos de diversidade e igualdade de gênero?

Para o futuro, espero ver mais diversidade e igualdade de gênero no setor. O caminho já está sendo aberto, e o respeito a gente vai conquistando com o tempo, à medida que cada vez mais mulheres venham para a estrada. Principalmente porque os caminhões de hoje são super tecnológicos e não exigem a força braçal que era necessária antigamente. Isso já facilita muito para as mulheres, que muitas vezes se adaptam às novidades tecnológicas com mais facilidade que os homens.

“O que realmente precisamos agora é de mais estrutura e reconhecimento para as mulheres no setor. Precisamos de um ambiente que veja e valorize o que as mulheres podem trazer para a indústria, respeitando e tendo empatia por elas. Quero ver um futuro onde as mulheres sejam vistas como protagonistas nesse setor, tanto quanto os homens hoje são.”

Espero que esse movimento de inclusão das mulheres na estrada não seja algo passageiro, mas que continue crescendo e se fortalecendo. Que se torne comum mulheres trocando de carteira para categorias maiores e tendo acesso a veículos de qualidade, estruturas adequadas e cursos profissionalizantes. 

2 Comentários
  • ADRIANA Fátima do Carmo

    Olá como me escrever neste projeto de vcs para mulheres Iveco

    06/04/2024 no 10:46 am Responder

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